O atraso na prestação de contas não caracteriza improbidade administrativa, desde que não exista intenção maliciosa na conduta do administrador público.
Com essa conclusão, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça absolveu o ex-prefeito de São José do Campestre (RN), Laércio José de Oliveira, da acusação de improbidade administrativa.
A ação foi ajuizada pelo fato de ele ter apresentado a prestação de contas de 2004 apenas em 2009, diretamente ao Tribunal de Contas da União, depois de iniciado procedimento de tomada de contas especial em 2007.
Nessa prestação, ficou demonstrado que o então prefeito fez uso irregular de verbas repassadas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Os valores deveriam ter sido usados para o Programa de Apoio à Educação de Jovens e Adultos (Peja), mas acabaram empregados em outras despesas correlatas à área de educação.
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região concluiu que houve ato de improbidade administrativa pela omissão na prestação de contas, conforme a redação original do artigo 11 da Lei 8.429/1992.
Antes das alterações da nova Lei de Improbidade Administrativa (Lei 14.230/2021), a condenação dependia da existência do dolo, que poderia ser genérico ou específico. O recurso ao STJ contestou a presença do elemento doloso.
O caso gerou debate na 1ª Turma, diante da necessidade de manter a condenação pela aplicação da Súmula 7 do STJ (que impede reanálise de fatos e provas) ou devolvê-la ao TRF-5 para novo julgamento.
Sem dolo
A conclusão final foi a proposta pelo relator, ministro Paulo Sérgio Domingues. Ele entendeu que não há dúvidas quanto às condutas praticadas pelo réu, motivo pelo qual a corte poderia definir de pronto o destino da ação de improbidade.
E apontou que, sem o reconhecimento da má-fé do gestor público, o atraso na realização da prestação de contas e a não aplicação da totalidade das verbas repassadas não tipifica improbidade, mas ilegalidade a ser sanada em outras vias.
O ministro citou jurisprudência do STJ e do Supremo Tribunal Federal no sentido de que as vedações da LIA não alcançariam administradores agentes inaptos ou inexperientes sem a intenção de lesar o erário ou beneficiar interesses privados.
“Inexistente, portanto, o reconhecimento da má-fé de Laércio José de Oliveira, tendo se limitado a atrasar a prestação de contas e a deixar de aplicar a totalidade das verbas nas despesas a que estavam destinadas, utilizando-as em outras despesas públicas, inclusive correlatas à educação”, concluiu.
A conclusão foi unânime, após debates, e reforçada em voto-vista do ministro Benedito Gonçalves.
“Uma vez que a continuidade típico-normativa da matéria prevê a necessidade do dolo específico de deixar de prestar contas, quando esteja obrigado a fazê-lo, dispondo das condições para isso, com o escopo de ocultar irregularidades; e considerando que o acórdão impugnado não reconheceu a má-fé , a ação deliberada e consciente, para caracterizar as sobreditas elementares, concluiu-se que não há se falar em ato ímprobo na hipótese dos autos, porquanto ausente suporte legal para a qualificação da conduta imputada na inicial como ímproba, o que impõe o reconhecimento da atipicidade da conduta”, disse.